segunda-feira, 21 de setembro de 2015

SÉRIE JOVENS CIENTISTAS [ENTREVISTA] Deise Carvalho

Foto: arquivo pessoal da entrevistada

Nome: Deise Carvalho

Instituição: Fundação Liberato/UFRGS

Idade: 20 anos

Cidade: São Leopoldo

Estado: Rio Grande do Sul







1. Como surgiu seu interesse por pesquisa científica?
Meu interesse surgiu no EM, quando entrei na Fundação liberato e ouvi falar a respeito da MOSTRATEC, visitei a feira e decidi que gostaria de participar também, logo dei jeito de fazer um projeto. Isso somou com o meu desejo de deixar uma contribuição para o mundo de alguma forma através de alguma descoberta.

2. Como foi a decisão de fazer pesquisa científica?
Foi imediata, porém muito difícil porque eu ainda não tinha ideia do que fazer e depois de ter a ideia foi muito difícil ter alguém que a apoiasse e quisesse orientar o projeto, devido ao fato de se tratar de algo complexo e que envolvia seres humanos.


3. Quais os temas das suas pesquisas? Onde foram desenvolvidas?
Todas as pesquisas que desenvolvi até hoje foram na área da saúde e a pesquisa que desenvolvo atualmente foi realizada no Inst. Butantan, na Fundação Liberato e na UFRGS (A universidade Feevale também cedeu seus laboratórios para a realização de algumas etapas).



4. Você já participou de feiras de ciências?
Sim, algumas. Dentre elas: MOSTRATEC, FEBRACE, INEPO, YSM, MILSET, entre outras.



5. Como essa experiência influenciou sua visão pessoal da ciência?
A feira de ciências me influenciou muito a enxergar que fazer ciência não é apenas estar dentro de um laboratório e que podem ser realizadas pesquisas belíssimas na área de humanas, por exemplo. Outra percepção que tive é que é bem grande o número de jovens que desejam transformar o ambiente em que vivem de alguma forma e fazem projetos (exibidos nas feiras) na tentativa de tentar alcançar isso.

6. Na sua opinião, quais os maiores obstáculos ao progresso da ciência no Brasil?
- Falta de incentivo financeiro;
- Falta de viabilidade e incentivo para pôr as ideias em prática;
- Falta de conhecimento sobre a pesquisa e metodologia científica.

7. Um conselho a um jovem, um cientista em potencial.
Pesquisar oportuniza a descoberta, o aprendizado e viabiliza a mudança. Sabemos que mudar o que quer que seja é um processo que exige trabalho, esforço, dedicação e foco, pois toda a mudança é regada de obstáculos, logo, se pesquisa é um caminho pra mudança, esses são os princípios fundamentais na realização de pesquisa e ciência. Sejam focados, descubram, estudem muito sobre o assunto com que querem trabalhar e acreditem no peixe que estão vendendo. Assim se geram as oportunidades que tornam possíveis as mudanças.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

SÉRIE JOVENS CIENTISTAS [ENTREVISTA] Mateus Nogueira


Arquivo pessoal do entrevistado

Nome: Mateus de Sousa Nogueira    Idade: 17

Cidade: Fortaleza                              

Estado: Ceará

Instituição: E.E.E.P JÚLIA GIFFONI







1. Como surgiu seu interesse por pesquisa científica?
Desde o 6ª ano do fundamental eu me envolvia com projetos, gostava de falar e apresentar, eu sentia e ainda sinto aquela coisa bem de filme (Somos muito jovens, mas podemos mudar o mundo) pode ser um sonho, mas eu gostodisso. Depois eu entrei em outra escola no ensino médio e lá o incentivo na criação de projetos científicos era maior, desde então eu vivo no meio desses alunos maravilhosos !

2. Como foi a decisão de fazer pesquisa científica?
Foi bem engraçada pois eu havia entrado no coral da escola e não tinha trabalho cientifico com a atividade. Lembro de ter umas garotas apresentando um cartaz no pátio da escola, e eu tive a ideia de pesquisar o que coral e fazer uma pesquisa cientifica sobre música, artes e os projetos culturais da escola.

3. Qual o tema da sua pesquisa?
‘’ Como as artes podem influenciar de forma positiva no comportamento de alguém ‘’ essa era minha abordagem em foco. Pesquisava como o teatro, a música, a dança pode ajudar a desenvolver melhores alunos, cidadãos e até mesmo profissionais.

4. Houve alguma dificuldade em encontrar apoio para a realização do seu projeto?
Houve ! E como houve... Por se tratar de uma pesquisa não voltada pro lado da medicina, da física, robótica e matemática as pessoas não acreditavam que eu estava mesmo desenvolvendo algo cientifico. E eu pensava que por não ser dessas áreas que eu citei, eu não iria usar de muito dinheiro, de muito material comprado, acho que posso falar assim, então seria mais fácil ter o apoio...Engano meu. Na escola mesmo alguns professores, alunos e coordenadores. Foi só eu, minha colega de projeto e nosso orientador e assim foi até eu conseguir algum premio na minha primeira feira.

5. Você já participou de feiras de ciências?
Sim. Já tive participação e alguns prêmios na MOCINN, MOSTRATEC, MILSET, MOCITEC ZN e INTEL ISEF.

6. Como essa experiência influenciou sua visão pessoal da ciência?
Muitas vezes a gente pensa que a ciência é aquela coisa difícil, que só pessoas de ‘’outro mundo’’ conseguem entender... Mas não é! Hoje eu vejo que a ciência é praticamente tudo! E todos nós temos acesso, basta querer!

7. Na sua opinião, quais os maiores obstáculos ao progresso da ciência no Brasil?
Olha, eu acredito que só um aluno, um professor orientador e a escola não fazem o apoio total para a ciência jovem não. Talvez o que eu diga seja clichê, mas dentro da política deveria ter mais apoio.

8. Um conselho a um jovem, um cientista em potencial.
Outro clichê, mas que funciona: CONTINUE! Não pare de acreditar no que você quer, se esforça, corre atrás que a hora chega. Nenhum trabalho é em vão.

domingo, 24 de maio de 2015

SÉRIE JOVENS CIENTISTAS [ENTREVISTA] LUIZ FERNANDO BORGES

Nome: Luiz Fernando da Silva Borges      Idade: 16 anos

Cidade: Aquidauana        Estado: Mato Grosso do Sul

Instituição: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul – Campus Aquidauana



1. Como surgiu seu interesse por pesquisa científica? 
            
              Por volta dos sete anos de idade, quando fui passar o final de semana na casa de meu primo, a mãe dele havia lhe dado o antigo kit de química: “Meu primeiro laboratório”. Este kit consistia em um conjunto de bisnagas com reagentes químicos, tubos de ensaio em uma estante de EVA, um conta-gotas e um manual que continha o “roteiro” de cada experimento. Quando ele abriu a caixa do kit e eu me deparei com todos aqueles materiais, foi incrível: Era a materialização dos instrumentos que os cientistas malucos, dos desenhos que eu assistia, usavam. Ele fez vários experimentos que faziam os líquidos borbulharem (desprendimento de CO2), mudarem de cor (indicador ácido-base), soltarem fumaça (reação exotérmica) e simplesmente desaparecer uma enorme mancha vermelha que tínhamos feito no sofá branco da mãe dele (“sangue do diabo”).
Kit de química: “Meu primeiro laboratório”
Disponível em:  http://www.gvbrinquedos.com.br/ecommerce_site/produto_17128_11503_Meu-Primeiro-Laboratorio-
 
                  Quando os reagentes já haviam acabado, ele me deixou ficar com o manual, que continha alguns experimentos que podiam ser feitos com materiais domésticos. Depois descobri vários programas na TV Cultura, como: “O Mundo de Beakman” e “X-Tudo Experiências”, que mostravam os mesmos experimentos que podiam ser feitos em casa. O que mais me fascinava era o propósito das demonstrações, os experimentos explicavam fenômenos da natureza que, na maioria das vezes, poderiam ser erroneamente respondidos com sonoros: “Porque sim.” ou “Porque Deus quis.”. Depois de aprender vários experimentos, gostava muito de demonstrá-los em qualquer ocasião, como se fossem truques de mágica. Minha jornada sempre foi guiada pela curiosidade e pelo espírito “hands on”. 


2. Como foi a decisão de fazer pesquisa científica?

            Depois de me apaixonar cada vez mais por ciências, por meio dos experimentos demonstrativos, minha descoberta da pesquisa científica está relacionada com a divulgação da FEBRACE (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia), que era feita em pleno horário nobre na Rede Globo de Televisão! A chamada, narrada por Marcelo Tas (sim, um dos apresentadores do programa CQC), dizia:

            “Alô, alô meninas e meninos criativos de todo o Brasil, já estão abertas as inscrições para a FEBRACE (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia) na USP. Para participar, basta criar um projeto do BALACOBACO com fundamento científico. Milhares de estudantes já mostraram: ‘A criatividade, traz a inovação.’ EUREKA! E você ainda tem chance de participar da Feira Internacional de Ciências, nos Estados Unidos. Acesse: www.lsi.usp.br/febrace, NÃO PERCA TEMPO!”.


            
                   Obedecendo o aviso da chamada que passava, em média, duas vezes a cada intervalo de novela e jornal, acessei o site e assisti todos os vídeos de edições passadas da feira. Infelizmente, devido à pouca idade que tinha (nove ou dez anos...), eu imaginei que a Febrace era uma feira de ciências como as que presenciava nas escolas de minha cidade, onde você pesquisa um experimento na internet e apresenta. Ao conversar com meus professores do ensino fundamental, nenhum sabia do que a feira nacional se tratava, ou mesmo conheciam os caminhos para a “pesquisa científica”, foi quando meu sonho de participar daquele evento adormeceu durante o ensino fundamental inteiro. Neste período então, me transformei em um ávido espectador das edições da Febrace desde 2008. Ficava cada vez mais impressionado com a possibilidade de participar da tal: “feira internacional” e, aos poucos, criei uma imagem do que era a pesquisa científica.
        Percebi que não bastava apresentar experimentos, mas que você tinha que ser o PROTAGONISTA de um! Foi quando meu amor platônico por ciências saiu do mundo das ideias e se tornou concreto. Seguindo um “método” especial, eu poderia controlar alguns fenômenos da natureza e até mesmo manipulá-los! Sem me dar conta, incorporei a visão do mito do titã Prometeu ao fato de ter poder sobre a natureza. Pra quem não conhece este mito, Prometeu era um titã que adorava enganar os deuses do Olimpo. Um dia, ele roubou o fogo sagrado do Olimpo e o entregou aos mortais. Ele nos entregou um poder que antes só era conferido aos deuses! Por causa disso, Zeus o acorrentou no alto do monte Cáucaso e por trinta mil anos, ele teria seu fígado devorado por uma águia. Como Prometeu era imortal, seu fígado se regenerava durante a noite e no dia seguinte, a águia o devoraria novamente, dia após dia, ad infinitum! Acredito que quando fazemos pesquisa, estamos honrando o sacrifício de Prometeu, exercendo um papel sobre o mundo antes apenas concedido a entidades espirituais fantasiadas.

                                 

Mito do Titã Prometeu: O crime o castigo.
Disponível em:  http://pt.wikipedia.org/wiki/Prometeu

              Quando eu estava terminando o ensino fundamental, soube da instalação de um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia em minha cidade. Institutos Federais oferecem a grade curricular comum do ensino médio e o ensino técnico profissionalizante integrado. Foi uma das melhores notícias que já recebi, pois já havia notado que boa parcela dos participantes da Febrace era de Institutos Federais de Educação. Passei no exame de seleção para o curso Técnico Integrado em Informática em primeiro lugar e descobri que a pesquisa científica era cultura dentro da instituição! Foi quando, mesmo no primeiro ano, encontrei professores que estavam dispostos a serem os mentores de minha vida acadêmica. Aprendi que o tal “método especial”, para o controle e exploração dos fenômenos naturais, chamava-se: “método científico” e que as feiras de ciência eram uma forma de “mídia especializada” de divulgação de pesquisas de nível médio. Aprendi que tudo tinha que ser documentado, provado, etc. Lembro agora de uma frase do Adam Savage, um dos apresentadores do programa “Mythbusters”:

“Lembrem-se crianças, a única diferença entre fazer ciência e fazer bagunça é anotar tudo.” (Tradução não literal)

Disponível em:  http://weknowmemes.com/2012/10/the-only-difference-between-screwing-around-and-science/



Aprendi tudo o que pude sobre o método científico e o método de engenharia (ou tecnológico) na internet e comecei uma das etapas mais difíceis em ambas as pesquisas: a escolha do tema.
3. Qual o tema da sua pesquisa? Onde foi desenvolvida?
            
           Ainda regido por uma mentalidade de “ciência caseira”, conheci a cultura DIY Bio (Do It Yourself Biology), que consiste no incentivo a fabricação de equipamentos de laboratório de biotecnologia em sua própria garagem, com materiais relativamente fáceis de serem encontrados em hardware stores. Este movimento surgiu nos EUA como um hobbye que reunia entusiastas no fim de semana em fundos de quintal para trabalharem em projetos de biotecnologia. Fiquei impressionado com o quanto poderia ser feito com muito pouco, desde bactérias que brilham no escuro até biocombustível. Foi quando percebi que o “fazer muito com pouco” era uma característica inerente da ciência brasileira. Na maioria das vezes, com poucos recursos, os cientistas brasileiros têm que improvisar e adaptar todo dia se quiserem produzir.
               
              


Desde registrar e ouvir neurônios de baratas, bem como controlar o andar destas com um implante digno de cyborg e um app pra celulares até fazer iogurte que brilha no escuro, algumas realizações da “cultura DIY BIO”.
Disponível em: backyardbrains.com


            Um grupo, em especial, me chamou muito atenção, tratava-se de uma iniciativa para tornar mais barato um equipamento utilizado em laboratórios de biologia molecular chamado: “termociclador”. Ele consiste, em uma linguagem leiga, de uma máquina de xérox de DNA. Basicamente, você coloca o DNA que você quer copiar (ou amplificar) em um tubinho junto com alguns reagentes que vão delimitar o trecho (fragmento) que será copiado e outros que vão fazer a cópia em si. Estes reagentes têm que atuar em uma ordem específica sobre a cadeia de DNA para que a amplificação seja realizada e o “treinador” deste time de reagentes que diz para cada um quando sair do banco de espera e entrar no campo de DNA são picos de temperatura específicos.
            Esta amplificação é chamada de PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) tanto que o nome original deste equipamento é PCR Machine. A PCR possui como principais aplicações: as médicas (Detecção de doenças causadas por mutações genéticas, testes pré-natal, identificação da compatibilidade de órgãos para transplante, detecção de câncer, entre outras.); na identificação de patógenos, causadores de doenças, de difícil ou lento cultivo em laboratório (HIV, tuberculose, E. Coli, entre outras); as forenses (Identificação de resíduo biológico da cena de um crime com comparação ao de um suspeito, testes de paternidade, entre outras) e aplicações em pesquisa (Sequenciamento de DNA, classificação de organismos, isolamento seletivo de genes, entre outras.).
Alguns termocicladores utilizam um bloco de prata banhado a ouro para obterem maior velocidade no aquecimento e resfriamento dos reagentes.
Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Polymerase_chain_reaction

         O termociclador cumpre o papel do treinador, o usuário deste equipamento programa os ciclos de temperatura e o equipamento os executará por meio do aquecimento e resfriamento de um bloco metálico com perfurações, em que são postos os tubinhos. Até aí nada demais, se não fosse o fato deste equipamento com esta simples função custar, em média, R$25.000,00! Não é de se estranhar quando o bloco metálico é constituído de prata banhada a ouro e o termociclador ter uma CPU inteira em seu interior. Este grupo então, propôs a criação de um termociclador de custo reduzido que chamaram de OpenPCR. Ele seria destinado aos centros de DIY Bio e instituições de ensino. A falta de publicações científicas sobre o Open PCR me limita a falar mais sobre ele, de modo que suas configurações poderiam não atender às necessidades de um laboratório profissional. Talvez porque o uso profissional nunca fora o objetivo de seus criadores.
A identificação de resíduos biológicos deixados na cena de um crime é uma das várias aplicações de técnica da PCR.
Disponível em: http://flowtv.org/2007/11/technofetishized-tv-csi-bones-and-regenisis-as-science-fiction-television/
                 Como a área de biológicas sempre foi a que me atraiu mais, decidi que ia levar este hobby a sério e construir minha versão de um termociclador que atendesse às demandas nacionais por este tipo de tecnologia. Ele teria que ter o desempenho equiparado a seus pares comerciais e com um custo várias vezes menor. Eu já possuía alguns conhecimentos necessários para começar a elaboração de um, mas aprendi que toda pesquisa precisava de um orientador. No início de 2013, propus minha ideia de um termociclador de baixo custo para meu professor de algoritmos, Leandro de Jesus, que coordena um grupo de robótica e prototipagem no câmpus de minha instituição, ele aceitou e começamos o projeto. No decorrer da pesquisa, programei várias inovações nos algoritmos de controle de temperatura do aparelho e em sua constituição física que não são encontrados nem na maioria dos aparelhos comerciais. 
Agora, em fevereiro de 2015, preparando-me para mais uma edição da Febrace e finalização do projeto, a fase dos testes com amplificações de DNA comparativas (em aparelhos comerciais e no meu) já começou. Até o meio do ano todos os resultados estarão compilados em um artigo que será publicado em um periódico da área de engenharia biomédica, que comprovará a funcionalidade de meu equipamento. Porém, posso adiantar agora que o desempenho deste foi muito maior que o de seu primo americano e seu custo ainda menor! 
Desta forma, Iniciei no fim de 2014 uma pesquisa que objetiva a criação de um gadget para smartphones que é capaz de detectar bactérias causadoras de infecções transmitidas por alimentos, e no começo deste ano iniciei duas novas pesquisas nas áreas de próteses neurais com biofeedback e interface cérebro computador. 

4. Houve alguma dificuldade em encontrar apoio para a realização do seu projeto?
          Em nome de apoio moral não, acredito que a maioria dos professores gostam de ver retorno em seu trabalho e trabalhar com estudantes interessados. Alguns professores são tão empolgados que até “jogam” uma pesquisa nas mãos dos alunos e os fazem apresentar como se fossem os protagonistas (algo que me incomoda muito em feiras “maiores”). Para o investimento, contei com bastante “mãetrocínio” e “paitrocínio” nos anos em que fui bolsista voluntário. Em 2014 ganhei uma bolsa de pesquisa de iniciação científica júnior do CNPq por me destacar na Febrace deste mesmo ano. Apesar de serem apenas R$100,00 mensais, o valor foi suficiente para manter a compra de componentes básicos para o projeto. As estruturas do Campus Aquidauana são suficientes para a construção do protótipo e estou contando com o Campus Campo Grande da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul para os testes com a amplificação de DNA comparativa.
5. Você já participou de feiras de ciências?
            

          O limite de uma constante é zero? Sim! Costumo fazer uma analogia com as feiras de ciência para estudantes pré-universitários e o mundo acadêmico: “As feiras de ciência são como as lanchas, ops...”. Melhor agora: “As feiras de ciência são como os Scientific Journals e a avaliação é como a revisão por pares.”. Penso até que a avaliação é ainda pior que a revisão por pares, pois é feita ao vivo! Minha primeira participação em uma feira de ciências foi em 2013, com o projeto do termociclador. Em 2011, descobri que havia uma feira de ciências e engenharia em meu estado chamada FETEC MS, ela é coordenada por um professor que já participou da coordenação da Febrace e foi o responsável pelas primeiras participações da delegação brasileira na Intel International Science and Engineering Fair, antes mesmo da existência da Febrace, o prof. Dr. Ivo Leite.


Em 2014, três trabalhos do Mato Grosso do Sul integraram a delegação brasileira para a INTEL ISEF, dois deles do IFMS.
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/febrace/14037171019/
            Mesmo sendo a minha primeira feira, a FETEC MS 2013 me rendeu vários primeiros lugares e uma credencial para a Febrace 2014, onde fui classificado no 4° lugar na área de engenharias e quando tive o prazer de ver dois projetos de meu estado sendo selecionados para a Intel ISEF (Já disse que ela é maior feira de ciências e engenharia para estudantes pré-universitários do mundo?). Ano passado, meus resultados na FETEC MS 2014 não foram muito diferentes e agora estou me preparando para a Febrace 2015!

6. Como essa experiência influenciou sua visão pessoal da ciência?
            
             Foi a primeira vez que pude estar em um ambiente repleto de jovens como eu, com os mesmos interesses. Conversar sobre os desafios e as soluções que cada um enfrenta/desenvolve é uma experiência engrandecedora e que nos prepara para futuros problemas. No caso de feiras nacionais, estar imerso em um ambiente com culturas de todas as regiões do Brasil é uma experiência que todo jovem cientista tem que ter, ao menos, uma vez na vida. Aproveitar o tempo livre em feiras de ciência para criar uma network é indispensável para qualquer jovem pesquisador. Hoje tenho amigos de todo o Brasil e um bom punhado deles de outros países, pois podemos falar idiomas diferentes, mas a ciência é nossa língua e a vontade de inovar e fazer diferente é energia que nos move.

7. Na sua opinião, quais os maiores obstáculos ao progresso da ciência no Brasil? 


          O primeiro maior obstáculo que poderia ser resolvido em curto prazo seria a profissionalização do cientista. Sim, a profissão de “cientista” não é reconhecida, obrigando estes profissionais a lecionarem se quiserem exercer suas pesquisas nas dependências de uma universidade. Salvo algumas instituições particulares que os contratam como pesquisadores. Acompanho há algum tempo a luta da profa. Dra. Suzana Herculano-Houzel sobre este tema, e suas palestras sobre este assunto e suas possíveis soluções são muito interessantes. O segundo maior obstáculo é a dificuldade que pesquisadores brasileiros têm de conseguir auxílio financeiro para suas pesquisas, sendo que este só privilegia o alto escalão do “sistema de castas” do CNPq. O maior brasileiro de todos os tempos (racionalmente falando) foi Alberto Santos Dumont, um homem que nunca teve um título acadêmico, falou que iria voar e o fez! (Enquanto dava voltas na Torre Eiffel com seu balão, os irmãos Wright, ditos “pais da aviação”, estavam empinando pipa na praia da Califórnia. Sim! O inventor do voo controlado é brasileiro!).

            Já vi um cientista dizer que em certas regiões dos EUA você nem precisa ter formação acadêmica para conseguir patrocínio do governo, basta saber escrever um plano de pesquisa. Citarei como exemplo, o caso de um mecânico que inventou um dispositivo que salvará milhares de bebês na hora do parto com complicações, depois que viu seu amigo retirar uma rolha de dentro de uma garrafa de vinho com uma sacola plástica. E o último problema é o obstáculo da falta de incentivo à ciência, no Brasil. Fico maravilhado quando vejo que “Feiras de Ciência” é parte da CULTURA norte americana. É muito difícil pensar em filmes ou seriados que retratam o cotidiano de um estudante norte americano, que não tenha ao menos um episódio que leva o título de: “Feira de Ciência” (Manual de sobrevivência escolar do Ned, Drake e Josh, iCarly, Todo mundo odeia o Chris...). Desde as séries iniciais, eles aprendem que um “science fair project” deve ser feito propondo e testando hipóteses. 

Uma típica feira de ciências norte americana, retratada em vários filmes e seriados jovens.
Disponível em: http://www.sciencebuddies.org/science-fair-projects/science-fairs.shtml?gclid=COSVvq-Pv48CFVB1OAod2BA-dw

               Temos até mesmo uma referência à “Intel ISEF” no filme: “October Sky”, ou: “Céu de outubro”. É um filme baseado no livro de um cientista da NASA que retrata sua história e a de seus amigos ao descobrirem uma paixão por foguetes iniciada pelo lançamento do satélite Sputnik. Ao final do filme (spoileir alert), eles conseguem uma credencial para a “Feira Nacional de Ciências dos Estados Unidos”, que anos depois se tornou a Intel International Science and Engineering Fair. As crianças e jovens brasileiros têm que olhar para nossos cientistas da mesma maneira que olham para “celebridades”, jogadores de futebol, etc. Temos que mostrar que a ciência é, talvez, o maior meio de transformação social. 

            Parece que o brasileiro já nasce com uma capacidade inata para resolver problemas, imagine se todo o potencial criativo de nossos jovens e crianças fosse direcionado desde cedo para áreas acadêmicas? Imagine se nossas crianças e jovens crescessem assistindo: “Cosmos” e “O Mundo de Beakman” no horário nobre de grandes emissoras de TV! Imagine se nosso sistema educacional não fosse baseado apenas no ato de mensurar o quanto um aluno consegue vomitar de volta em uma prova, daquilo que foi lhe posto garganta abaixo durante as aulas! Imagine se nossos jovens não perdessem seu tempo estudando conteúdos que nunca irão utilizar em suas vidas acadêmicas para poder ingressar em um curso superior, mas sim fossem julgados por seus méritos e sua capacidade de fazer o novo! O diferente!


8. Um conselho a um jovem, um cientista em potencial

          Deixo aqui dois conselhos de vó... Dona Maria Laporta, em minha opinião, vó do maior cientista brasileiro vivo, Miguel Nicolelis: “Sonhar grande e sonhar pequeno leva o mesmo tempo de sono.”. Você vai gastar o mesmo tempo dormindo, mas o resultado do sonhar grande, do sonhar com impossível é muito maior que o sonhar com um sonho medíocre. Na busca de um objetivo impossível, mesmo que você não chegue no limite deste sonho, com certeza, em sua jornada em busca do impossível, produzirá feitos nunca antes vistos. 

            O segundo conselho, o mais forte deles se bem analisado, é: “O impossível é somente o possível que alguém não pôs esforço suficiente para torná-lo realidade.” Não entendo o porquê de algumas pessoas terem tanto medo do impossível quando estamos rodeados por ele todos os dias. Como ainda podemos dizer que o céu é o limite quando temos pegadas na Lua? A maioria das inovações tecnológicas bem consolidadas hoje, no passado, já foram considerados impossíveis. 
            E por último, um conselho meu, resultante dos dois primeiros: Quando nós, jovens cientistas, começamos a perseguir o impossível, temos que lidar com a reação da mediocridade que reina em nosso entorno... Pois você tem todo o direito de deixar de perseguir o seu impossível, mas não tem o direito de atrapalhar alguém de fazê-lo. Nem precisa ajudar, basta não atrapalhar, pois já propus várias ideias que foram consideradas como absurdas e que, tempos depois, foram realizadas por outras pessoas. Às vezes, vejo que alguns projetos de iniciação científica júnior, em feiras, têm um nível imensamente superior a alguns trabalhos de conclusão de cursos (TCC) de faculdades reconhecidas. Isso demonstra que muitos já deixaram de perseguir; ou talvez nunca experimentaram; seu sonho impossível. Logo, nunca ouça palavras de desincentivo infundadas, nem se partirem das mais conceituadas castas acadêmicas, pois elas, talvez nunca serão eternizadas, por nunca terem a audácia de produzir algo que as eternizará.


Todo jovem cientista deveria ouvir atentamente os concelhos de Miguel Nicolelis, considerado um dos 20 maiores cientistas do mundo, responsável por fazer um paraplégico ser o protagonista do chute inicial da Copa do Mundo de 2014.



            Para começar a conhecer melhor este “mundo”, sugiro a plataforma Aprendizagem Interativa em Ciências e Engenharia – APICE, desenvolvida pela Febrace em parceria com a Intel Education, que oferece cursos de capacitação para professores e alunos interessados em aprender o método científico e método de engenharia, bem como a organização de feiras de ciência (http://apice.febrace.org.br/)



            Lembrem-se: “Aqueles que são loucos o bastante para pensar que podem mudar o mundo... São aqueles que o fazem!”. THINK DIFFERENT







domingo, 22 de março de 2015

CORRIGINDO O INCORRIGÍVEL: SILENCIAMENTO DO CROMOSSOMO EXTRA RESPONSÁVEL PELA SÍNDROME DE DOWN


http://www.parenting.com/gallery/a-special-joy-5-babies-with-down-syndrome
A síndrome de Down é uma condição clínica causada pela trissomia do cromossomo 21 (existem três cromossomos 21 ao invés de dois nas células dos indivíduos afetados). Descrita em 1862 pelo britânico John Langdon Down,  está associada a dificuldades cognitivas e de desenvolvimento físico. Sua frequência é estimada em 1:1000 ou seja, de 1000 nascimentos hipotéticos é provável que 1 seja de uma criança extremamente fofa e carinhosa portadora da síndrome. 
Recentemente (2013, nem tão recentemente assim) o mundo científico (e não só ele) foi alvoroçado com a publicação do artigo Translating dosage compensation to trisomy 21 na revista Nature, um dos mais respeitados periódicos científicos da atualidade.  Pesquisadores da Universidade da Escola Médica de Massachusetts, Sangamo BioSciences na Califórnia, e da Universidade da Columbia Britânica no Canadá foram capazes de inativar o cromossomo intrometido cuja presença é responsável pela tão conhecida síndrome descrita pelo Dr. Down. 

Como eles puderam fazer isso? Aliás, isso é possível, silenciar (desligar) um cromossomo inteiro?! Pois bem, pode-se dizer essas frases expressam bem a reação de muitos ao receber essa informação. 

  Como é de conhecimento da maioria desde as aulas de biologia do Ensino Médio, o ser humano possui 46 cromossomos, totalizando 23 pares. Destes, 1 par é responsável por determinar o sexo de cada indivíduo: nas mulheres os dois cromossomos do par são X e nos homens um é X e o outro é Y (o uso das letras para representar os cromossomos deriva diretamente da forma de cada um sob o microscópio óptico). Como os dois cromossomos X, presentes nas mulheres, carregam cópias dos mesmos genes ou seja, são homólogos, e cada gene tem por função coordenar a produção de uma ou mais proteínas na célula (a expressão gênica) ,era de se esperar que indivíduos do sexo feminino tivessem o dobro de atividade do cromossomo X em relação aos do sexo masculino. Isso teria um impacto enorme a nível microscópico e também macroscópico. Então, se pergunta você, o que impede que isso ocorra? 
O heroi aqui é um gene chamado XIST (the X-Inactivation gene) que é capaz de inativar o cromossomo X extra das fêmeas, "um mecanismo natural para compensar a diferença na dosagem de cópias de genes ligados ao X entre fêmeas e machos de mamíferos." Isso de dá através de um RNA (Ácido ribonucleico)  não codificador do XIST que se acumula na estrutura do cromossomo em intérfase  - período do ciclo celular em que a célula não está se dividindo - e induz várias modificações e alterações que impedem que o cromossomo silenciado seja transcrito, fenômeno citológico visível  como um corpúsculo de Barr".

Conceito para traduzir compensação de dose para trissomia do 21

O objetivo dos pesquisadores era verificar se o gene XIST humano poderia ser útil para silenciar uma cópia do cromossomo 21, criando um sistema para estudar as patologias dessa condição bem como as mudanças na expressão genômica. Para isso fizeram uso de enzimas chamadas nucleases, capazes de cortar trechos do material genético, para inserir o transgene citado em uma região rica em genes do cromossomo 21 em células iPS (Células tronco Pluripotentes induzidas) derivadas de um paciente com Down. 
Os resultados foram realmente interessantes - ainda mais se levarmos em conta o fato de os cientistas terem conseguido integrar com sucesso o XIST, o maior transgene conhecido, em um ponto específico do DNA das células estudadas. Assim como ocorre com um cromossomo X naturalmente inativado por XIST, o cromossomo 21 no qual o gene havia sido inserido ficou perceptivelmente condensado, mostrando que houve formação de um corpúsculo de Barr característico. 
Há um gene chamado APP, que também fica no cromossomo 21 e é responsável pela produção de uma proteína chamada B-amiloide, cujo acúmulo pode levar ao desenvolvimento precoce do Alzheimer, doença característica da síndrome de Down. Esse gene, conforme constata o estudo, foi alvo de repressão pelo querido XIST, e tinha sido completamente silenciado após 20 dias de experimento. Ou seja, foi provado que XIST também tem grande utilidade para silenciar alelos (cópias) de genes específicos, muitos deles diretamente relacionados a sintomas da síndrome. Impossível não pensar quais seriam as implicações disso in vitro, não é? Some-se a isso o fato de que o prejuízo proliferativo das células cerebrais de pacientes com Down, ligado à superexpressão do 21,  pôde ser reparado com o "desligamento" do danadinho.
E tem mais! (calma que estamos perto do fim). Quando o XIST era inserido em dois ou nos três cromossomos 21 de uma célula, a expressão do gene era perdida, "o que mostra que há seleção in vitro e adaptação epigenética para contornar a criação de uma monossomia (presença de 1 cromossomo ao invés de 2) ou nulissomia (ausência de determinado cromossomo)". Enfim, a "compensação de dosagem do desbalanço cromossômico apresenta um novo paradigma, com oportunidades para avançar a pesquisa em síndrome de Down em múltiplas direções incluindo um novo meio para investigar as patologias celulares da síndrome de Down humana, que são em grande parte desconhecidas".

Acho que uma frase que ouvi certa vez se aplica gloriosamente ao trabalho destes pesquisadores:

"Creio que a sociedade entrará em colapso se a competência média de seus membros, encarregados de manter os sistemas que preservam a vida, não for consideravelmente aumentada e se a capacidade dos mais talentosos não for desenvolvida completamente, de modo a promover o bem geral" 
Potter, V.R in Bioetics for Whom? Ann. N.Y. Acad. Sci. 196/4:200-205, 1972 






sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

SÉRIE JOVENS CIENTISTAS [ENTREVISTA] > Helyson Lucas Bezerra


E aqui está a mais nova seção do blog, a série de entrevistas com jovens cientistas que não poderia ter um nome diferente de... "Jovens Cientistas" (palmas para a criatividade). E para a inauguração o Mitocôndrias no Mingau entrevistou o jovem pesquisador Helyson Lucas Bezerra de Limoeiro no Norte, Ceará. Detentor de inúmeros prêmios, Helyson já participou de diversas feiras de ciências como MILSET BRASIL (Fortaleza), Fenecit  (PE), MCTEA (PA) e MOSTRATEC (RS). Conheça um pouco mais desse prolífico cientista:


Nome: Helyson Lucas Bezerra Braz                   Idade: 18
Cidade: Limoeiro do Norte                                Estado: CE
Instituição: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – Campus Limoeiro do Norte


Como surgiu seu interesse por pesquisa científica?

O meu interesse pela pesquisa cientifica já vem desde cedo, sempre fui interessado por programas de ciências na infância e sempre tive o dom de perguntar e saber procurar respostas para tudo, e recebi muito incentivo pelos meus familiares também. 

Quais suas motivações para fazer pesquisa científica?

Tentar resolver problemas da sociedade.

Qual o tema da sua pesquisa? Onde foi desenvolvida?

O Tema da minha pesquisa é Ação Sinergética de Antiviral Natural, trata-se de um novo método de identificação do vírus da gripe e um antiviral para inibição de proteínas do involucro do vírus e redução de sintomas da doença. Foi desenvolvida no IFCE - Limoeiro do Norte e no PSF – IRACEMA. 

Houve alguma dificuldade em encontrar apoio para a realização do seu projeto?

Sim, pois os métodos para realizar esta pesquisa são de difícil acesso na minha região, então realizei uma nova metodologia que apresentasse o mesmo resultado, ou se não, melhor que o método atual para realização dos testes. 

Você já participou de feiras de ciências?

Sim, Já participei da MILSET BRASIL (Fortaleza), Fenecit (PE), MCTEA (PA), MOSTRATEC (RS) e participarei da FEBRACE agora em março, na cidade de São Paulo.

Como essas experiências influenciaram sua visão pessoal da ciência?

Além de aumentar a minha proximidade com a ciência, tive um maior conhecimento de outras áreas que não conhecia antes da pesquisa e das feiras e vi quanto é fantástico realizar pesquisa e participar de eventos como esses. 

Na sua opinião, quais os maiores obstáculos ao progresso da ciência no Brasil?

Falta de estrutura em alguns laboratórios e de maior incentivo pelas escolas de educação básica. 

Um conselho a um jovem, um cientista em potencial.

É apenas pesquisar, resolver e persistir na ideia de resolução. 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

IDEIAS GENIAIS CONTROVERSAS: OS LIMITES DA (PSEUDO)CIÊNCIA

    Terminei recentemente a leitura do livro Ideias Geniais Controversas de Surendra Verma (Gutenberg, 2014) e as conclusões possíveis são várias, mas não superam as questões e reflexões que ficam pairando após a leitura (algumas delas são base para este post). Longe de ser um clássico da literatura científica ou qualquer coisa do tipo, o livro cumpre bem a função de divulgar a ciência ou, nesse caso, expor os limites entre ela e sua irmã gêmea do mal, a pseudociência. O mais interessante é tomar a leitura como base para questionar a real natureza da investigação científica, a supervalorização do método científico como caminho para chegar à verdade e a natureza das transformações científicas, que constantemente validam ou refutam as teorias vigentes (muitas das quais perduraram por séculos).
Apesar do meu preconceito receio sobre ler livros de ciência escritos por jornalistas (acreditem, não é raro encontrar umas aberrações por aí), o autor do livro está, por assim dizer, familiarizado com a área. Em pequenos artigos de em média duas páginas, assuntos como Petróleo de origem abiogênica, Frenologia, Extraterrestres, Calendário Maia e até Psicanálise (sim, há quem se atreva a pôr Freud em xeque) são apresentados e em sua maioria desbancados de qualquer pretensão científica que almejassem obter. O prólogo do livro também alerta o leitor a respeito das diferenças entre a ciência real e as "histórias para boi dormir", sendo os critérios principais a prova pelo método científico (o que mais você esperava?) e as diferenças entre a postura de um real cientista e a de um fanático. 
Historicamente, o método científico tem em suas origens os nomes de Francis Bacon e René Descartes, sendo este último o responsável por lançar seus fundamentos com o famoso Discurso do Método. No contexto do Renascimento cultural e científico pós Idade Média, estava em alta a extrema valorização da razão humana, expressa na máxima cogito ergo sum (penso logo existo) proferida pelo papai Descartes ao defender que o pensamento seria o único caminho seguro para atingir a verdade, uma vez que os sentidos não eram confiáveis nem capazes de fornecer uma análise objetiva da realidade. Assim, os passos Observar > Problematizar >  Hipotetizar > Experimentar > Concluir passaram a ser o caminho base em qualquer investigação científica minimamente séria. É daí que deriva boa parte do pensamento ocidental no que diz respeito à ciência, inclusive a ideia de infalibilidade e sensação de confiabilidade associadas a ela. Haja visto o respeito que um texto transmite quando começa com a frase "cientistas descobriram que...". 

Mas será esse método o real caminho à verdade? Quanta confiança depositar nele? Ou ainda, será que o cientista ao pô-lo em prática deixa realmente de lado toda subjetividade, o seu 'lado humano'? 
Não se pode negar que há vários fatores que influenciam uma investigação além do Método propriamente dito: recursos materiais e tecnológicos aplicados na pesquisa, o tipo de problema investigado, a visão de mundo do pesquisador e da sociedade em que está inserido e o contexto político, entre outros. Há atualmente cada vez mais estudiosos da ciência pós-moderna (principalmente filósofos da ciência) que defendem a Intersubjetividade, a noção de que o observador integra o fenômeno que estuda. Esses são exemplos de como algumas das perguntas anteriores podem ser respondidas, mas estão longe de ser respostas universais para esse tipo de questionamento (se é que elas existem). 
     Não é novidade que a ciência muda com o tempo. Desde os livros didáticos da escola, muitas teorias são introduzidos de forma que sua validade seja reconhecida em contraposição a outras teorias do passado já refutadas, como o geocentrismo, lamarckismo, o homem de Piltdown, o flogístico e o éter luminífero. O fato é que a ciência passa por períodos de mudança que ficaram conhecidos como Revoluções Científicas - termo utilizado pelo filósofo da ciência Thomas Kuhn em sua obra A estrutura das revoluções científicas, 1962 -, e que fazem transformações no mínimo drásticas nos paradigmas (padrões, concepções básicas). Nesse sentido, o que é tido como verdade hoje pode não ocupar mais essa posição amanhã e a incapacidade de comprovar determinada teoria hoje não significa necessariamente que ela seja falsa. Essa ideia ganhou força com a obra do físico, matemático e filósofo da ciência Karl Popper que propôs o Critério da Refutabilidade: uma teoria é verdadeira até que seja refutada e sejam expostos seus llimites e falhas. Daí a importância de dar a si mesmo constantemente o "benefício da dúvida" já que a prática científica, independentemente do método em que se baseie, é por definição uma atividade dinâmica. Este é o principal ponto que pode ser levantado com a leitura do livro (que recomendo), por apresentar teorias que, se não são refutadas por completo, não podem ser também desacreditadas inteiramente. Pelo menos não até agora.
     Obviamente, muitas teorias pseudocientíficas são descartadas imediatamente por serem insustentáveis factualmente mas, a despeito disso, a ciência deveria se mostrar humilde o suficente para reconhecer suas limitações quanto a alguns fatos que ela ainda não foi capaz de explicar, mesmo que isso seja só até a próxima revolução científica. De qualquer forma, não deixa de ser verdade que a crença cega é também um lugar perigoso (apesar de oferecer certa segurança), principalmente quando impede que outros pontos de vista sejam considerados e ainda mais quando rejeita provas palpáveis que invalidam uma teoria, por mais bonita que ela seja. Outra situação interessante é quando uma teoria validada diverge do senso comum e dos conceitos já cristalizados no imaginário coletivo, o que contribui para o aprofundamento do abismo entre a ciência e o público. Um bom exemplo é a Teoria da Relatividade de Einstein que deu novo significado aos conceitos de espaço e tempo e abalou a física newtoniana que, reinando suprema por tanto tempo, chegou até mesmo a ser considerada a resposta absoluta para todas as questões abordadas pela física. Como diria o físico e filósofo Oscar Matsuura, é em casos assim que "o pouco que é passado para o grande público a respeito da ciência é uma mistificação obscura que, em vez de esclarecer, só confunde e intimida". Aliás esse pode ser considerado o motivo pelo qual muitas teorias travestidas de ciência são aceitas pelo público.
Por enquanto o método científico ainda se mostra uma das maiores criações do intelecto humano, mesmo que esteja longe de ser a resposta para OVNIs, vida após a morte, experiências extrassensoriais e teletransporte (já que nem tudo pode ser provado empiricamente), e continuará se fazendo presente na vida de muitos a partir do momento mágico em que a professora do ensino básico orienta os alunos no clássico experimento de cultivar feijão num pedaço de algodão molhado. No fim, são iniciativas como essa - utilizando o método já tão citado - que muitas vezes despertam o cientista dormente dentro de cada um e que permitem ao homem continuar sua incessante busca pela verdade. 



terça-feira, 27 de janeiro de 2015

GLIOMA: ESTÁ TUDO NA SUA CABEÇA


     Glioma é o tipo de tumor cerebral mais comum que pode afetar pessoas de todas as faixas etárias (apesar de existir um risco maior entre os 30 e 60 anos) e ocorre igualmente entre homens e mulheres. Como todo câncer, sua origem está na multiplicação desregulada das células que pode ocorrer devido a mutações em genes reguladores específicos que ganham ou perdem sua função (os proto-onocgenes e genes supressores de tumor, respectivamente). 
     No caso dos gliomas as células que originam o tumor são as céulas da glia [As células esquecidas do cérebro], que atuam na sustentação e na nutrição dos neurônios e que estão concentradas na substância branca do encéfalo (centro do sistema nervoso).  Existem quatro células específicas formadoras da glia: os Astrócitos, Oligodendrócitos, Microglia e Ependima. Os tumores são classificados de acordo com o nome da célula de origem como Astrocitoma, por exemplo (originado de um astrócito), o tipo mais comum, correspondendo a até 70% do total de casos. Existem também os astrocitomas anaplásicos (anaplasia = "tipo de transformação neoplásica que confere ao tumor um potencial de maior agressividade") e Glioblastomas, ambos com origem nos astrócitos. Os tumores são classificados de baixo grau quando seu crescimento é lento e se comportam de maneira menos agressiva e de alto grau quando ocorre o contrário. A partir dessa classificação também há a divisão em 4 graus de gravidade, que leva em conta as mesmas características (segundo revisão da OMS). Quanto menor o grau, maior a taxa de sobrevida do paciente. 




Esquema representando neurônios e células da glia

      A principal dificuldade em se tratar um glioma é a sua localização dentro do crânio ou da coluna cervical - já que o tumor pode também se originar na medula espinal. Apesar disso, os tratamentos mais comuns são a cirurgia e a radioterapia, isoladas ou em conjunto. Os tipo de cirurgia mais comum são a craniotomia (parte dos ossos do crânio é removida é recolocada após a cirurgia) e a craniectomia (parte do crânio também é removida mas não é recolocada imediatamente, permitindo que o cérebro inche e alivie a pressão intracraniana). Os procedimentos cirúrgicos visam remover o máximo possível do tumor, sempre evitando prejudicar o cérebro e  diminuindo a pressão intracraniana e o edema cerebral (inchaço). A quimioterapia não é o principal método utilizado pois a maioria dos medicamentos não é capaz de ultrapassar a barreira hematoencefálica - uma estrutura permeável muito seletiva que serve para proteger o sistema nervoso central de substâncias potencialmente tóxicas presentes no sangue.  Ainda assim, quimioterápicos são muitas vezes empregados em ciclos alternados de tratamento, sendo os principais a Cisplatina, Carboplatina, Vincristina, Ciclofosfamida e a Temozolomida
  Alguns fatores levados em conta para decidir a melhor abordagem clínica são o tomanho do tumor, sua localização, doenças associadas e sintomas decorrentes da doença. Os sintomas mais comuns são dores de cabeça, convulsões e perdas de movimentos, sensações ou funções de determinada parte do corpo, e estão asociados ao aumento da pressão dentro do crânio (pressão intracraniana) que ocorre quando o tumor toma muito espaço e aperta partes do cérebro bloqueando o fluxo sanguíneo e causando edemas (inchaço). Entre os principais métodos diagnósticos estão a Tomografia Computadorizada (TC), a Ressonância Magnética (RNM), Tomografia por emissão de pósitrons (PET) e Biópsia.
  Inúmeros avanços têm sido feitos nos campos da pesquisa básica e clínica a respeito de diferentes tipos de tumor. Áreas como a imunologia, química, bioquímica e física propõem novos modelos de tratamento e abordagens terapêuticas.  Por enquanto, porém, o glioma em todas as suas variações continuará sendo o pesadelo daqueles a quem atormenta, relembrando-os constantemente de uma assombrosa verdade: o inimigo está dentro da sua cabeça.

Imagem por Ressonância Magnética de glioma de baixo grau e glioblastoma.


Para mais informações  clique aqui.